terça-feira, 27 de março de 2012

A morte e o tempo

“O Além é um espaço-espelho da sociedade que o imagina. Espaço-reflexo perfeito (Paraíso) mas também invertido (Inferno). Pensar o mundo dos mortos era a melhor forma de melhorar o dos vivos, de torná-lo mais semelhante aos desejos de Deus”.

Monica acordou com uma sensação estranha naquela quinta ensolarada. O dia estava radiante, mas ela estava em cacos. Tivera um pesadelo, daqueles que parecem reais.

Descobriu mais tarde que a sensação estranha era um pressentimento: sua morte estava se aproximando. Sentiu-se uma plebeia em era medieval. Ficou pensando naquilo o dia todo, mal conseguiu realizar suas tarefas cotidianas. Ficou em casa, rabiscando um caderno velho. Anotou nomes de pessoas, lugares e objetos. Estava fazendo sua lista de últimos desejos e afazeres ainda neste plano.
“Fazer as pazes com minha irmã / Visitar mamãe no hospital e confessar-lhe... / Dizer ao Rhamon o quanto o amo / Dar um tapa servido na safada da vizinha / Gastar tudo com as comidas e roupas que eu mais gosto. . .”
A lista era um pouco grande. Era uma mulher ambiciosa. Planejou tudo para os próximos dias, mesmo com a sensação de que a morte poderia chegar antes de realizar todos os itens. E assim seguiram os seus dias.

Depois de um mês e meio, a lista já tinha sido preenchida e aquela sensação pareceu ir embora. Monica pensou que era a morte e se preparou pra ela. No fundo, estava preparando-se para a vida, e começou pelos seus maiores medos e desafios. Ao encarar sob outros olhos, fez tudo sem grandes dificuldades. 

No fim das contas, tirou uma conclusão: às vezes pensar a morte como um medieval é o jeito mais moderno de encarar a vida nos dias de hoje. Afinal, viver e morrer é uma questão de tempo. O mistério da morte é também o da vida. Talvez se tivéssemos mais respeito pela morte, saberíamos aproveitar melhor a vida. E vice-versa.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Loja de conveniência

Quase sete da matina e o sujeito abre a porta da lojinha. Bocejando, para em frente à prateleira de salgados, pega um amenteigado e parte para a gôndola de doces. Biscoito escolhido, a próxima parada é a geladeira. Dúvida: bebida que acompanha o salgado ou que acompanha o doce? E qual comer primeiro?

Roçou a cabeça com o dedo médio, lembrou do horário e pegou o suco que estava mais perto. Light. Pagou no débito e foi embora pra casa.

Você consegue imaginar a cena?

Agora imagine que a loja de conveniência é o nosso convívio social. 
Troque os produtos nas prateleiras por emoções, adereços e argumentos. Alimente-se de influência, carisma, interesse, ambição, boas práticas políticas (com muito açúcar, geralmente), e até um pouco de egoísmo. Pegue para beber gelado um pouco de humor, sorrisos de canto, paciência e até um pouquinho de indiferença.  

É assim carregamos nossas baterias para começar bem o dia, com ferramentas sociais que nos fazem levar o dia numa boa ou ficar zangado com o primeiro e-mail que aparece na tela.

Nosso convívio social é como nosso metabolismo. É só escolher bem os nutrientes em cada tipo de refeição que tudo funciona.